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Festa Junina

À memória de Guimarães Rosa

 

            “Sei explicar não doutor. Sei nada de mim, dele também não. Me lembro só dos braços e dos olhos grandes me chamando pra perto dele. Sentia forte a força dos braços se enroscando em mim, me puxando pra dentro, me chamando. Foi assim, sabe, doutor, desde a primeira hora. Foi na festa de Santo Antônio, menos de mês. Dançamos toda a noite, ele me apertando, eu me enroscando. A noite terminou, a sanfona jogada ao lado, todo mundo no cansaço maior. No dia seguinte a mesma coisa, repetida todas as noites. Todinhas a mesma coisa. O olho, o abraço, a dança, os apertos. Coisa mais gostosa, doutor, o friozinho na barriga, o sangue atropelado que nem boi desembestado. E aquele cheiro de suor, cheiro dele, de homem de verdade, doutor, entrando pelo nariz, endoidando a cabeça. Sei não se gostava de mim. Às vezes achava que sim, outras que não. Eu gostava dele. E muito. Passava os dias esperando a noite. Gostava mais era de me agarrar depois das danças. Eu me colava no corpo dele, não deixava nem um minuto sozinho. Não podia, era fome só. Eu queria mais era o corpo dele. Só para mim doutor, pra mais nenhuma. Comecei a ficar com medo. Medo de tudo, de todas as mocinhas que passavam perto. E eu de olho. Era o meu olho que funcionava agora, era o meu olho que puxava ele pra dentro de mim. E era tudo um gozo só. Mas o medo continuava, doutor. Depois então e principalmente depois que aquela inha apareceu no salão. Olho comprido de mulher pra cima dele. Senti uma quentura me subindo, uma raiva se armando doutor. Ela não tinha direito nem de olhar, se aproximar então nem pensar. Nem dançar ela sabia. Imaginava como seria ela aguentando ele nos costados. Ia mais era sair gritando, inha magrinha sem as gordurinhas necessárias. Tudo no pequenino, ela era toda pequenina. Eu não gosto doutor de gente pequenina. Gosto é de gente grande, peito, pernas e braços, tudo grande onde eu posso me perder e que podem me prender. Aquela inha começou a me enfrentar com os olhos doutor. Aonde nós íamos, ela ia atrás. E ficava sorrindo pra ele doutor, na minha cara. Até que hoje ele olhou pra ela. E sorriu aquele risinho safado. O sangue subiu doutor, quando vi tudo tinha terminado. Onde está meu Santo Antônio? Como é que pode a vida mudar assim no de repente, quase sem sentir. Sei nada mais não, só sei que quero o corpo dele dentro de mim, doutor. Por que é que aquela inha tinha de aparecer nesse salão?”

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 © Zaida Buarque

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